Entre goles de café

Clara senta-se em sua cama com uma xícara esfumaçante de café e olha abagunça ao redor. As roupas que estão por colocar no cabide, os sapatos espalhados, tudo fruto da ultima viagem que havia feito par visitar a família. Já se passara uma semana desde que ela chegou e as coisas ainda não estavam muito organizadas. O ruim de visitar a família depois de um tempo longe é que isso significa visitar o passado também. Rever gente que te fazia sentir coisas que não cabe na sua forma, ouvir um trilhão de vezes a frase 'você está tão diferente!', o que as vezes é bom, mas as vezes é acompanhado da expressão de indiferença e vai te fazer sentir mal por isso, além é claro, dos amores que se dizem enterrados ressurgirem do nada. Clara sorri ao lembrar de quão estranho foi beijar o ex. Que garota nunca? Ela até havia esquecido de como se sentia quando isso acontecia. Mas isso não quer dizer que ela sentiu novamente, só remeteu a lembrança. Dessa vez ela sentiu... NADA. É, e ela sentiu a mesma coisa que sentiu quando abraçou a amiga escandalosa da mãe, o moreno bonito que é amigo do seu tio e a prima louca. Sim, ela esta boa em não ter sensações. Ela sorri e dá um terceiro gole no seu café. Gosta da proteção que criara para si, embora não goste de acreditar muito nos outros, de acreditar que ainda irá se apaixonar novamente, ela gosta de saber que não será por agora. Gosta da liberdade de acordar no meio da noite com uma vontade louca de ver um filme de ação, de sair com gente interessante depois de uma aula massante de teoria da comunicação, de comer dois cachorros quentes no jantar, usar a roupa que quiser (seja um shortinho de pijama ou uma saia longa daquelas de cigana mesmo!), gosta de carregar o próprio moletom e de não sentir mais frio a toa. Sim, as pessoas estavam certas, ela mudou.
Com certeza ela se sente artificial, construída por uma série de partes que ela nem sabe direito de onde vem, um quebra cabeça de mil peças, como um satélite sputnik... louca na roupa, ela esta fazendo o que tem vontade. Embora ainda esteja procurando o equilíbrio entre o que se quer fazer e o que se deve fazer, por enquanto ela embroma, vai levando. Clara sabe que já não é mais a garota certa, a tal moça-pra-casar, a complicada-e-perfeitinha. E quer saber? Ela gosta de se livrar do rótulo, de não ser reconhecida pelo seu passado, de não ser obrigada.
Clara coloca a xícara de café no chão. Ajeita o rabo de cavalo, coloca uma playlist bem camaleão e começa a dançar loucamente, enquanto recolhe a bagunça da sua mente, do seu quarto e da sua vida.

Comentários

Postagens mais visitadas